O rato da sacristia
Um rato morava
numa sacristia.
Era um mau católico
e a tudo roía.
Só respeitava a
Santa Eucaristia.
Num lugar sagrado
certo se escondia.
Nem mesmo o arcebispo
vê-lo conseguia.
De dia dormia.
E à noite roía.
Como o próprio Deus
ele era invisível.
A ninguém no mundo
ele aparecia.
Padre e sacristão
sempre o maldiziam.
Nenhuma ratoeia
ou mesmo doutrina
lograva pegá-lo.
Fugia aos venenos
como se tivesse
proteção divina.
Mal caía a noite
saía da toca
e a tudo roía.
Nem sequer poupava
o dedinho do
Menino Jesus.
Numa madrugada
quando ele roía
rico paramento
Deus lhe apareceu.
E à muda censura
ele respondeu:
'Nós, os roedores,
vosso santo nome
invocamos sempre.
Deus seja louvado
que criou a terra
os ratos e os homens.
Fostes vós, Senhor!
E quem cria um rato
cria a sua fome,
seu dente de siso,
Para que vivamos
roer é preciso.'
Em silêncio Deus
pesou o argumento
e para poupar
o seu paramento
e salvar a Igreja
não titubeou.
Quem vive tem fome?
Roer é preciso?
Deus não fez por menos.
Para que veneno?
Levou o ratinho
para o Paraíso.
Lêdo Ivo, Crepúsculo civil