Chega a morte

19/11/2015 16:34

"Havia muito que as dores e agonias tinham desaparecido. Os terrores também. E os cuidados. Sentia apenas uma grande, infinita impressão de sonolência e fraqueza. Uma espécie de bem-estar indefinível, de anulamento, de desintegração. De integração, quem sabe. Em alguma coisa. No espaço. Na cama. Em qualquer coisa. Eu entrava ou saía. Com preguiça, cansaço, quebramento. Sobretudo com sono. Passava quase todo o tempo naquela sensação indizível de aniquilamento, meio a dormir. Não tinha reações. Não tinha vontade de reagir. Fora-se desde muito o enorme terror da morte, que se apoderara de mim nos primeiros dias da moléstia, ainda na plenitude das minhas forças. A ideia do Inferno, que sempre me perseguiu, apesar de descrente, impressa para sempre no meu espírito, com as primeiras emoções da minha infância, a possibilidade de um sem-fim, de castigo e de sofrimento, sempre foi o cravo que amargurou as melhores alegrias da minha vida. Sem religião, irreligioso por temperamento, a ideia de continuar depois de morto, idiota para o meu racionalismo pretensiosamente científico, era, contudo, uma hipótese."

Orígenes Lessa, João Simões continua