Autônomos? Livre-arbítrio?

16/08/2020 00:01

“Acreditamo - nos autônomos, é um fato. Lacan dizia ser essa a nossa mais ordinária loucura. E apesar do que sabemos sobre sonhos, atos falhos e sintomas, sobre, enfim, as determinações inconscientes, professamos uma fé mais ou menos cega no livre - arbítrio, apoiados na convicção de que “quem sabe de mim sou eu”. Nem os próprios psicanalistas estão isentos dessa crença. Toda uma escola de psicanálise, fundada em 1940 nos Estados Unidos por emigrados judeus austríacos, denominada Ego Psychology, não apenas acreditava em tal autonomia como apostava no fortalecimento de uma suposta área sem conflitos do assim chamado ego como critério de tratamento e cura das neuroses. Falar em autonomia do eu, contudo, parece uma piada, em se tratando de psicanálise. Freud fala é das vassalagens do eu, servo da realidade, das paixões e das coerções morais. Sem poder contemporizar com três patrões ao mesmo tempo, faz das tripas coração para atender seus interesses conflitantes. E o resultado é que o eu dito instrumental, sintético, ocupado em fazer as triagens dos estímulos do mundo exterior e em planejar ações para manter o organismo vivo e bem, padece de todo tipo de perturbações sintomáticas, e mesmo que acabe se virando para manter o funcionamento, jamais será autônomo.”

 

Ricardo Goldenberg, Psicologia da massas e análise do Eu: Solidão e multidão (para ler Freud)